Enciclopédia Farmacêutica dos Índios Matsés da Amazônia

Autor: Regina Motta - Data: 01/08/2015

O roubo do conhecimento indígena por farmacêuticas e universidades estrangeiras sempre ocorreu na Amazônia. Os Uru-eus-uau-uaus, uma tribo de Rondônia, costumavam usar a resina de uma árvore para fabricar o tike uba, um veneno que passavam em suas flechas e fazia as presas sangrarem até a morte. Uma empresa farmacêutica pegou amostras da substância, isolou o princípio ativo e desenvolveu um anticoagulante poderoso. A tribo não recebeu qualquer quantia em dinheiro e este é só um exemplo do que acontece.

Para os Matsés é comum o uso da secreção da rã Kambô em rituais de caça. Aplicada sobre feridas na pele, ela causa enjoos e vômitos, mas os índios dizem que, depois que passa, ela dá mais vitalidade, coragem e força para o caçador.

Os homens coletam o líquido esfregando a pele do sapo com uma vara. Em seguida o líquido é aplicado sobre pequenos furos queimados na pele da pessoa.

Recentemente a indústria farmacêutica confirmou que a secreção continha uma poderosa mistura de peptídeos com potentes propriedades antimicrobianas, vasoativas e narcóticas. As pesquisas levaram ao preenchimento de diversas patentes que, de novo, não reconheciam em nada o conhecimento indígena. Um dos genes da rã foi parar, inclusive, em batatas transgênicas, para protegê-las de infecções com fungos.

Os homens Matsés sopram tabaco ou rapé de "nënë" nos narizes uns dos outros para dar força e energia.

Espírito das plantas como medicamento

Os curandeiros Matsés possuem um profundo conhecimento de como as plantas da floresta podem ser usadas para curar doenças. Para os Matsés, plantas e animais têm espíritos assim como os seres humanos, e podem atacar ou curar um corpo humano.

Os curandeiros identificam a causa da doença do paciente e o tratam com a respectiva planta.

A dor de garganta, por exemplo, pode ser causada pela ingestão de um macaco bugio, e pode ser tratada através de uma planta que se parece com a laringe do macaco.

Nos isolados confins da floresta amazônica, os índios Matsés passaram os últimos dois anos metidos em um projeto iluminista: escrever uma enciclopédia capaz de salvar uma cultura à beira da extinção. Também conhecidos como Mayorunas, os Matsés vivem ao longo do rio Javari, na fronteira entre Brasil e Peru, um lugar tão afastado que, ainda hoje, abriga tribos que nunca foram contatadas. Os Matsés tiveram pouco contato com os homens brancos até os anos 1970.

Para prosperar na região, os indígenas sempre contaram com técnicas particulares de caça, pesca e remédios cultivadas ao longo de séculos pelos xamãs. Cada um desses líderes espirituais possuía um catálogo mental capaz de transformar a mata em uma farmácia viva. Hoje esse conhecimento é restrito à memória de alguns poucos anciãos, todos com mais de 60 anos. Conforme eles envelhecem e morrem, essas informações ficam perto de sumir da face da Terra.



Foi para evitar esse apagão cultural que, em 2012, cinco dos últimos xamãs da tribo se reuniram para escrever as mais de 500 páginas da Enciclopédia de Medicina Tradicional Matsés. Nela registraram nomes de plantas, animais, doenças e sua relação com a floresta.
A Acaté, uma ONG norte-americana dedicada a ajudar os Matsés do Peru em projetos de desenvolvimento e sustentabilidade foram os únicos a ter acesso ao trabalho e ajudaram com aspectos técnicos do projeto. "A iniciativa foi coordenada pelos líderes Matsés e pela equipe da Acaté, mas a enciclopédia foi toda escrita pelos próprios índios, em suas vilas, usando suas próprias palavras e sua própria "língua".
A enciclopédia foi finalizada em maio numa reunião que se estendeu por dias na aldeia de Puerto Alegre, uma das mais remotas do lado peruano do território. Durante o encontro, diversas lideranças indígenas, incluindo seis curandeiros, revisaram e editaram a publicação.

Agora a enciclopédia está sendo impressa pela ONG e será entregue aos Matsés assim que estiver pronta. A esperança dos índios é que suas páginas ajudem a salvar muito mais do que um catálogo farmacêutico. O objetivo é preservar uma visão de mundo construída durante séculos de vivência na floresta. Interessante é que a enciclopédia não terá versão em outra língua, apenas no idioma da tribo.

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